Há alguns meses juntei-me a uma manifestação organizada por uma organização feminista da cidade no Porto, a propósito de mais uma triste decisão do Tribunal da Relação do Porto, desta vez num caso de violação, em que os arguidos acabaram com penas suspensas. Esta manifestação reuniu algumas centenas de pessoas na Praça Amor de Perdição, em frente à antiga Cadeia da Relação do Porto. No final da noite eram pouco mais de uma centena de pessoas aí concentradas. Havia uma presença discreta de dois agentes da autoridade, afastados alguns metros dos manifestantes. Quando abandonei essa zona, em direção à Cordoaria, passei junto à antiga Praça de Lisboa, onde hoje em dia existe um pequeno shopping disfarçado com um jardim de oliveiras na parte de cima. Nesse "jardim" — que ocupa um espaço que é público, mas também privado — havia uma concentração de público bem acima de uma centena de pessoas, muita música e ambiente de festa. Havia também muita luz (que não havia já na praça pública onde terminava agora a manifestação), e inúmeras referências gráficas a uma marca de bebidas alcoólicas. Não havia aí a presença visível de membros das autoridades, apesar da concentração de pessoas.
Esta visão foi mais uma de muitas que me fazem repensar a ideia de espaço público, mas principalmente, da forma como o estamos a condicionar para determinadas finalidades — sempre relacionadas com a possibilidade de trocas comerciais. Seja num formato mais corporativo (neste exemplo), ou no caso das feiras de artesanato, ou nas feiras de objectos em segunda mão (das quais já participei), aquilo que pressupõe a participação individual no espaço da cidade é invariavelmente o ato de consumo, ou de troca comercial. Tendo esta prioridade, a cidade será dirigida no sentido de trocar os espaços públicos de discussão (o Ágora) pelos espaços de reunião em torno do consumo — pela sensação de segurança, confiança e conforto que é assegurada pela privatização destes espaços públicos e semi-públicos. É uma privatização da cidade validada pelos seus cidadãos, que se demitem do seu papel político de pessoas da cidade, a polis, (cidadãs e cidadãos), para serem não mais que consumidores.
Belize: Real love isn't ambivalent. I'd swear that's a line from my favorite best-selling paperback novel, "In Love with the Night Mysterious", except I don't think you've ever read it. Well, you ought to, instead of spending the rest of your life, trying to get through "Democracy in America." It's about this white woman whose daddy owns a plantation in the Deep South, in the years before the Civil War. And her name is Margaret, and she's in love with her daddy's number-one slave, and his name is Thaddeus. And she's married, but her white slave-owner husband has AIDS: Antebellum Insufficiently-Developed Sex-organs. And so, there's a lot of hot stuff going down, when Margaret and Thaddeus can catch a spare torrid ten under the cotton-picking moon. And then of course the Yankees come, and they set the slaves free. And the slaves string up old daddy and so on, historical fiction. Somewhere in there I recall, Margaret and Thaddeus find the time to discuss the nature of love. Her face is reflecting the flames of the burning plantation, you know the way white people do, and his black face is dark in the night and she says to him, "Thaddeus, real love isn't ever ambivalent."
A primeira metade deste livro são relatos textuais de notícias dos últimos 20 anos. São um chorrilho de factos. Violência contra as mulheres: maus-tratos, perseguições, homicídios, violações, tortura, abusos, intimidações, chantagem emocional, manipulação. É um não parar de notícias de jornal de casos de violência de homens contra mulheres, com estatísticas e estudos que comprovam as notícias. Em todo o mundo, apesar do foco nos EUA. Chegamos ao fim do capítulo sem fôlego.
Eu cheguei a meio quase sem respirar porque teve o dom de me recordar imagens que eu havia esquecido, coisas do meu subconsciente que a memória tinha reservado num canto. Coisas que não era para me lembrar, porque a vergonha de me ver de fora era tanta, que permitir que aquela humilhação fosse real era impossível, que jamais se teria passado. E, no entanto, este texto catártico de exposição da violência contra as mulheres — descrita exatamente como uma epidemia — tinha-me levado a reconhecer em mim própria esses esqueletos no armário, esse “me too”. Eu também. Eu também me senti humilhada, desprezada, desvalorizada, infantilizada, desempoderada, insultada e magoada diariamente — e tinha sido um homem a fazê-lo. Não tinha sido a minha culpa. Era personalizável. E isso é uma libertação.
Durante anos desconfiei dos mecanismos de glorificação da vítima: dos livros de auto-ajuda escritos na primeira pessoa, das “celebridades” que se davam como exemplo de superação de inúmeros problemas pessoais, porque o que se ganhava com isso era um público para um produto, havia sempre uma troca comercial implícita nessa exposição. Quando se passava nas redes sociais era ainda mais óbvio e nunca lhe reconheci valor ou propósito. A verdade é que este livro, vários artigos feministas depois e a aparição do movimento #metoo me levou a mudar a minha ideia-feita sobre o poder massivo do exemplo, da auto-exposição em torno de uma causa pública que também é privada. E a compreensão progressiva do que é isso do “lugar de fala”, de como reclamar individualmente uma voz para a juntar a tantas outras, como as matizes de cada uma, nos torna finalmente visíveis publicamente. A verdade já não é apenas detida por uma autoridade normativa — masculina, branca, heterossexual — mas pela força de uma ação individual, consertada em movimentos como o #metoo ou o #blacklivesmatter, para nomear apenas os mais mediáticos.
Este texto não quer apresentar nada novo, no fundo acho que este trabalho, de dar voz às mulheres (como das outras minorias sociais) deve ser o da repetição, da coleção, da acumulação de exemplos — diferentes entre si mas sempre coincidentes no que revelam das estruturas fundamentalmente desiguais das sociedade humanas (nomeadamente das sociedades ocidentais e ocidentalizadas). E na importância de reconhecer padrões de comportamento: uma epidemia é tão massiva que se pode tomar como a norma, mas se o resultado são milhares de mulheres mortas anualmente, então alguma coisa está profundamente errada, estamos todas/os em negação.
Se o mais difícil é ser-mos sinceras connosco mesmas, então começar por aí pode desencadear uma revolução em cadeia. É também isso que a autora revela neste livro e é a propósito desta honestidade impactante que escrevo sobre isto.
O mais importante é poder tornar visível aquilo que mentimos em sociedade: que as mulheres já são iguais e já têm direitos iguais aos dos homens, que a colonização portuguesa foi branda e os portugueses não são racistas, que os gays e as lésbicas já podem casar e por isso já existe uma igualdade de oportunidades, que as pessoas muito pobres não querem realmente ser inseridas na sociedade, etc. Admitir qualquer uma destas coisas é como uma derrota que autorizamos. Como um problema que relativizamos porque não é nosso.
Não tenho muitas fotos minhas a tricotar, pelo menos de que goste, apesar de ter passado anos a fazê-lo com muita frequência. Entre 2013 e 2014 é provável que tenha tricotado quase diariamente. E foi uma fuga.
Depois de "A Favorita"
Na senda das coletâneas atrasadas, as minhas escolhas do ano de doismiledezasseis.
Um ano fantasma, com pouca atividade neste blog, e quase nenhuma disponibilidade para as coisas sensíveis, a não ser para a nostalgia.
Com um atraso monumental nas contas dos anos e da música que vou ouvindo, recupero aqui as coletâneas no ano ido de doismilequinze, que de uma forma um tanto diferente, parece-me cada vez mais análogo a este ano de doismiledezoito. Já tenho uma música predileta, a ouvir em loop, para caber nesse álbum do ano que já vai a mais de meio.
Belize: I hate America, Louis. I hate this country. Nothing but a bunch of big ideas and stories and people dying, and then people like you. The white cracker who wrote the National Anthem knew what he was doing. He set the word free to a note so high nobody could reach it. That was deliberate. Nothing on Earth sounds less like freedom to me. You come with me to Room 1013 over at the hospital and I'll show you America. Terminal, crazy, and mean. I live in America, Louis. I don't have to love it. You do that. Everybody's gotta love something.
Louis: Everybody does.
"(...) Vamos lá: a miscigenação existe porque o colonizador do Brasil, Portugal, misturou os seus homens brancos com as mulheres indígenas, e depois com as mulheres africanas que para lá levou à força, como escravizadas. Misturou é ao mesmo tempo um facto e um eufemismo. Facto, porque o resultado é uma mistura mesmo. Eufemismo, porque está no lugar da palavra violação: homens com poder abusando de mulheres capturadas, fossem “pegas no laço”, como se dizia das índias, fossem escravizadas, ou subjugadas de qualquer outra forma, mulheres que não estavam livres para rejeitar essa relação, muitas vezes traduzida em filhos. O colonizador não fazia estes filhos porque tinha uma abertura, uma tolerância, uma propensão para a mistura — como o luso-tropicalismo quis vender, até hoje com sucesso —, e sim porque 1) Portugal, ao contrário de outras potências coloniais, levou pouquíssimas mulheres brancas para o Novo Mundo e 2) povoar o Novo Mundo era uma das condições essenciais à colonização.Atalhando, a miscigenação nasceu da violência em massa sobre mulheres indígenas e negras. E essa violência continua a a não ser largamente reconhecida em 2018, fora da academia e de núcleos activistas. Mas qualquer debate sobre miscigenação terá de partir daí, da origem. E qualquer debate sobre miscigenação que não parta da origem vai gerar equívocos, involuntários e deliberados. Aliás, gerar equívocos tem sido um método do não-debate.
A primeira violência colonial é a violência sobre o corpo das mulheres, no século XVI como em 2018. Desvalorizar a violência do que se passou com as mulheres no século XVI continua a ser uma violência para as mulheres de 2018 (e para quem quer que se interesse pela verdade). Uma forma de dizer: para quê usar a palavra violação, era assim que as coisas eram, esqueçam. Sim, era assim que as coisas eram, foi assim que as coisas foram durante séculos, é assim que as coisas continuam a ser em demasiados lugares do mundo, e é por isso é que têm de ser encaradas. Uma longa história da violência, paralela à história masculina das violências.
Da violência base da miscigenação no Brasil resultaram muitos milhões de pessoas. Tantos que a cara do Brasil continua a ser morena, apesar de todo o esforço oficial de branqueamento levado a cabo por governos brasileiros, com incentivos à emigração europeia, desde a véspera da Abolição da Escravatura, em 1888. O Brasil é índio, preto, branco, mulato, caboclo, cafuzo. É o resultado de toda essa história. E a Segunda Abolição, que Caetano sempre defendeu que era necessária — volta a dizê-lo neste filme —, tem de ter todo o mundo lá, livre, ou não o será. Não será abolição. E como ela é necessária. (...)"
Alexandra Lucas Coelho
se te estenderes na areia
faz montes que
encaixam nos nós do
teu corpo, como moldes.
se entrares na areia
deixa o vento
pentear a curvas
nas costas, fazer carícias.
se te deitares nas rochas
encontra o ângulo,
a linha côncava do
mineral.
se entrares nas rochas
deixa que o limo e as algas
te cubram
como escamas novas.
se fitares o mar
atira-lhe as conchas que devolve
à rebeldia da areia
e do vento.
se desejares as ondas
não as olhes. ouve-as só,
a balançar como
um corpo estranho.
se souberes do mar,
da massa de água,
não a abraces. senta-te ao lado.
penteias a areia
acaricias a pele, no ar,
voltas ao peixe. depois,
um ser unicelular, sem memória
nem gesto.
Esta imagem, resumi-a à escuridão, para poder destacar "a República ao fundo", mas o que faz sentido é falar do porquê de me perder por aqui. Um sítio onde vivi alguns meses, que me marcaram, talvez ainda mais que os dois anos inteiros que vivi em Lisboa. Os sítios podem ser tão importantes como as pessoas, os momentos, o lugar onde estamos na vida. Às vezes sobrepõem-se à ideia de felicidade, ou de tristeza, são recetores de todas as emoções, como se tivessem emoções eles próprios.
É um sentimento que me lembra a infância, e a adolescência, quando a solidão me pareceu cada vez mais óbvia, mais premente. Invejar os amigos dos outros, os que tinham grupos, parelhas, conjuntos nos quais encaixar. Mas, no fundo, é um sentimento que vem da infância sozinha: filha única, primos mais velhos, sempre a inventar amigos invisíveis para fazer a imaginação brotar.
Não estar sozinha não se ensina, nem se aprende, arranja-se. Encontram-se, ou não, as pessoas que querem estar connosco muitas vezes, e outras, todos os dias, para “dividir” a vida. Mas estar sozinha não é uma escolha, tal como nem sempre estar acompanhado é (apenas) uma escolha. Na maioria das vezes é um constrangimento.
Ninguém quer estar sozinha.
A personagem do Harvey Keitel no filme Smoke (1995) de Wayne Wang, empregado de uma tabacaria numa esquina de Queens, NI, que fotografava todos os dias (religiosamente) essa mesma esquina, antes de abrir a loja.
© Espólio Fotográfico Português. Armazéns do Anjo (Sucursal), 1939. Passado |
Não é uma novidade: contrapor imagens do início do século passado e imagens do início deste século, num "antes" e "depois" ao comparar os mesmíssimo lugares. No (centro do) Porto, esse é um exercício que dá arrepios, pela forma como a cidade manteve a sua estrutura urbana quase intacta nos últimos 200 anos. Mas isso já não é verdade no que diz respeito aos negócios da cidade. As lojas que se perderam e ganharam, estão incrivelmente documentadas nestes volumes, editados precisamente na altura em que terminava o meu projeto.
Mas não era de revivalismos, ou saudosismos que eu queria ter falado naquele trabalho: apenas de sensibilidade. E as coisas sensíveis nem sempre têm argumentos científicos. Foi dessa dificuldade, de passar de um argumento que era sensível, a um argumento que pudesse ser arguível (numa defesa de dissertação) que me desviei do objetivo que tinha para esse estudo. Felizmente atualizei-o, acabando por estudar as novas fórmulas de um novo comércio que estava a emergir na cidade. De lado ficaram uma dezenas de fotografias que documentavam esse antes e depois, de dezenas de lojas da cidade do Porto. Para mim era a documentação de uma perda; de como os símbolos de uma era haviam sido banidos, eliminados e esquecidos. A arqueologia gráfica por si só não me interessa: criar um museu daquilo que a cidade escolheu esquecer parece-me muito como um exercício de estilo. Mas criar fórmulas arquitetónicas e de design que possam integrar ou reintegrar estes símbolos na paisagem da cidade parece-me sempre um exercício muito mais rico — e tão mais difícil de imaginar.
Armazéns do Anjo, 2011. Presente |
Hoje este exercício parece-me tão mais pertinente do que quando o fiz. Elaborei-o nesse ano para uma submissão ao II Encontro Nacional de Tipografia. Segundo o texto que produzi então: "Pretendeu-se materializar, por imagens, uma viajem no tempo na cidade do Porto, pelo seu comércio tradicional. Descobrir o que aconteceu a este tipo de comércio, o que aconteceu à cidade e de que forma é resgatável o potencial da memória de uma época (primeira metade do séc. XX) que marcou definitivamente o seu desenho."
Estas imagens parecem-me hoje mais interessantes, como experiência visual, pelo exercício temporal, e pela ideia como o apresentei: com a adição de uma terceira imagem que representa o futuro, na sobreposição das imagens do passado e do presente:
"No processo de análise e tratamento das imagens, pareceu-me mais interessante que a visualização lado a lado, do “antes e depois” — ou do “ontem” e “hoje” (…), a visualização da sobreposição das duas, como se tratasse de uma dupla exposição fotográfica do passado e do presente — imagem à qual, quase instintivamente, intitulei de “futuro”. Se realmente o futuro é moldado no “hoje” quotidiano, ele deverá, à luz dos novos paradigmas da nossa era, ser pensado também com base na herança da tradição. A cidade contemporânea não deverá conter apenas a imagem de um passado renovado, mas de um presente com memória, que saiba reinterpretar-se à luz das tradições, adicionando significados à sua identidade presente."*
Armazéns do Anjo (Sucursal). Futuro |
Se bem que a utilização do termo "tradição" é um pouco dúbia em relação ao que hoje considero que seja importante nesse conceito, de forma geral este texto ainda corresponde ao objetivo inicial desta pesquisa: a busca de um argumento (visual, gráfico, mas também histórico, patrimonial e simbólico) para essa regeneração do comércio tradicional do Porto, e da própria identidade do território.
A sensação é semelhante a voltar à casa de partida, como se "o jogo" tivésse começado aqui. Uma parte (tão importante) da minha vida emocional passou por aqui. Um espaço do qual tenho tantas memórias diferentes, e quase sempre, agridoces, como o melhor das memórias.
Há sete anos fotografei a minha cidade como nunca, calcorreei ruas, e até pedi ajuda ao meu pai para descobrir moradas. A motivação era uma dissertação de mestrado, e uma atração desmedida pelo Porto que descobri no arquivo do Espólio Fotográfico Português — coleção que até então desconhecia.
A propósito deste concerto, fiz uma visita breve a Guimarães. Nunca poderia ter sido tão breve, quase no lusco-fusco de um dia de Inverno em plena Primavera.
O "berço" de Portugal tem pormenores que não se podem captar só num fim de tarde. As lojas antigas, com mobiliário original (uma raridade no Porto, onde, nos últimos anos se destruiu as que ainda o mantinham), as montras inusitadas, e os cafés quase intocados fazem viajar no tempo.
É impossível não ficar nostálgica com esta atenção e respeito pelo detalhe, pelos materiais e pela matéria dos espaços. Numa altura em que a minha cidade parece estar a ser desmantelada, com um recurso vergonhoso (que se arrasta há anos) ao "fachadismo", ver uma cidade próxima que ainda não perdeu tudo dá-me algum alento.
SaveSave
SaveSave
"(...) Boa parte da minha geração acomodou-se, tornou-se conservadora. Reage mal à ideia de feminismo. Reage mal à ideia de mudar de boas maneiras, de hábitos, para acomodar minorias. Reage mal à «revelação» do papel central do nosso país nessas coisas de conquista, escravatura, etc.
Reage mal à ideia que a cultura muda. Que não se está a moralizar a cultura. A cultura que defendem contra o politicamente correcto também era uma forma muito forte de moralidade. A ideia que as mulheres são musas, objectos do desejo, etc. A ideia do génio criativo, bruto, autor, total. E homem. E outras tantas ideias feitas.
Reage mal à mudança, nem sequer se pergunta se é boa ou má antes de decidir. Porquê deixar de dizer Descobrimentos? Porquê não dizer Mariconço? Porquê não associar cor de rosa a raparigas? Porquê não achar que a domesticidade é naturalmente feminina? Porquê deixou de ser o Woody Allen um humorista sofisticado para ser também um grunho? Nem sabem, nem querem sequer responder a isso. É tudo censura e ameaça e estalinismo.
O reverso da moeda é que se perde a capacidade para apreciar o que aí vem. Produz-se crítica literária a avisar que tal livro não agradará a quem não gosta do politicamente correcto. Gasta-se metade de uma crítica de cinema a denunciar a importância excessiva de um filme em termos de identidade negra, feminina, gay.
Já não foi a primeira vez nem será a última que se muda de critério, que se muda de estética, e há facções que se chocam.
Lembrei-me disso tudo quando vi o vídeo abaixo que é brilhante e calculo que totalmente incompreensível para um monte de gente, as pessoas acima sobretudo. Para elas será só mais outra infiltração do politicamente correcto."
texto do Mário Moura publicado em 07-05-2018 no Facebook
“(…) O fim do império, a 25 de Abril de 1974, poderia ter sido o começo do diálogo sobre o que aconteceu desde o século XV, esse dia inicial inteiro e limpo / onde emergimos da noite. Em vez disso, os demónios mais antigos foram empurrados para o fundo antes de virem à tona.
Todos os impérios são uma história da violência, caberá a cada um atravessar a sua para ser mudado. Quando isso não acontece o filho do que foi morto falará e o filho do que matou não conseguirá entendê-lo, porque o lugar do outro está por experimentar, nunca houve transformação. Quem teme deixar de ser quem é não vai saber quem foi nem quem vai ser. De olhos e ouvidos fechados aos espíritos, continuará a cobrir-se com as mesmas palavras.”
Alexandra Lucas Coelho, Deus-dará
Um blog com treze anos, feitos este mês: abandonado a tempos, mas sempre a tempo de ser retomado. A viver sempre de acordo com os anos e aquilo que há em mim, desde a disponibilidade às ideias de coisas a partilhar.
Um artigo sobre como comecei a fazer pão, e as minhas rotinas há cerca de um ano atrás, nesta entrevista pela Teresa Leonor, que tem colecionado conversas com várias pessoas interessadas em pão de fermentação natural e no gosto pela comida e os seus rituais, como nesta entrevista à Mi Mitrika.
Há oito anos a aturar este bicho-peludo. Quando já nem me lembrava que eu era dos gatos, que nos salvam sempre, quase sem querer.
Da espera, da paciência, da resistência, da serenidade, da confiança que é preciso ter para ser resiliente. Aquilo que queremos muito, exige-nos uma austeridade pessoal. Calma, foco e paciência, para que as coisas se desenvolvam com o seu próprio tempo, para que as ideias cresçam e amadureçam seguras. Para que tudo assente sobre ideias muito fortes e essencialmente, sobre princípios.
Continuar um projeto tão pessoal, mesmo sendo feito a quatro mãos, e transformá-lo num negócio com futuro, ainda me parece uma ideia estranha. Talvez porque o lado pragmático dos negócios sempre tenha colidido de frente com as coisas em que acredito. Mas deve haver uma outra forma de fazer um negócio, em que os nossos princípios não desvaneçam com as dificuldades, e cujos objetivos sejam realistas e pragmáticos, tão ao contrário da nossa tendência pessoal. E que os nossos receios possam ser guiador por esses objetivos, sem lhes ceder.
Encontrar um espaço de pertença, para uma marca, como para nós próprios, é uma tarefa de confiança mas também de resistência.